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Jovens das cinco regiões do Brasil contam como é ser aprendiz

Cecilia Garcia

Criar um consultório de psicologia, ingressar em uma faculdade de arquitetura, ser a primeira pessoa da família a ter um diploma. Em um país de dimensões continentais e com uma população predominantemente jovem – 60,5 milhões de brasileiros estão na faixa de 0 a 19 anos, segundo estudo Cenário da Infância e Adolescência no Brasil, da Fundação Abrinq – os sonhos daqueles que têm um longo caminho pela frente também são colossais.

Essa população de imensas aspirações é também a mais sujeita às violações de um país marcado por desigualdades. Das 2,6 milhões de crianças e adolescentes vítimas do trabalho infantil, 85%, ou 2,2 milhões, são adolescentes entre 14 e 17 anos, como mostra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) realizada em 2015.

O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) garante o direito do adolescente de 14 anos ou mais, por vontade própria, ingressar no mercado de trabalho por meio da Lei de Aprendizagem (Lei nº10.097). Ela prevê que, mais do que trabalhar em um cenário protegido e não prejudicial à escola, o jovem esteja a maior parte do tempo sendo formado tanto com atividades práticas quanto teóricas na área de seu interesse. Essa forma de trabalho pode se estender até os 21 anos, ou indefinidamente em caso de jovens com deficiência.

Embora seja considerada uma das formas mais efetivas de combate ao trabalho infantil, a Lei de Aprendizagem sofreu ameaças na atual conjuntura política. A reforma trabalhista ameaçou abrir brechas para zerar a cota de contratação protegida de adolescentes por empresas. Após intensa pressão popular, os trechos foram retirados da versão final do documento.

Os 378.947 jovens aprendizes bespalhados por diversas regiões do Brasil enfrentam um cenário de altas taxas de desemprego, que afeta principalmente os jovens. Também são vítimas do descumprimento da lei de contratação por parte das empresas, mas seguem sonhando com um futuro promissor.

No Dia da Juventude, celebrado em 22 de setembro, A Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantilentrevistou seis jovens das cinco regiões do país, que contam como a Lei de Aprendizagem impacta suas e seus planos.

Perfil do aprendiz no Brasil:

29% estão no estado de São Paulo
52% são homens
87% cursam ou já concluíram o ensino médio
88% ganham até um salário mínimo
72% estão no setor de serviço ou comércio
A maior parte desempenha funções administrativas

 

Com apenas dezessete anos, a amazonense Gabriela Brito tem os pés bem no chão. “Quero abrir um consultório de psicologia social, cuidar dos pensamentos das pessoas, ouvir o que elas desejam para suas vidas e ajudá-las”. Moradora do bairro Cidade Nova, a jovem afirma que para realizar seu sonho, mais do que ter formação teórica, ela precisa saber na prática habilidades e competências para construir um empreendimento.

“Tenho que possuir conhecimentos na área de administração e contabilidade, senão vou à falência. E mesmo sendo muito sociável, tenho que saber trabalhar com pessoas”, relata Gabriela. Cursando aulas de administração no SENAI Antônio Simões, ela está no seu primeiro emprego pela lei de aprendizagem. “Eu quero trabalhar para juntar dinheiro, cursar a faculdade, e sei que a indústria está correndo atrás das pessoas com especialização”.

A jovem, que sempre teve apoio da mãe Márcia para procurar um emprego que a possibilitasse estudar, acredita na lei de aprendizagem como uma forma de combate ao trabalho infantil, como ela muitas vezes viu em mecânicas de Manaus. “Os trabalhos tem que estar dentro da lei! Já imaginou uma criança de catorze anos operando máquinas e correndo perigo? Adolescente tem que estudar, não perder dedo!”.

Suelen gosta de desenhar e sonha em fazer uma faculdade de arquitetura. Letícia também gosta de área de artes, e fez um curso técnico de design de móveis. Quanto ambas entraram no programa de aprendizado oferecido pela ONG CAMP, e conseguiram trabalhos no setor administrativo, elas perceberam o quanto a lei de aprendizagem pode expandir horizontes profissionais. “Fui tomando gosto pela parte de administração, ao organizar as contas e o estoque. Sei que isso vai ser um conhecimento valioso para qualquer área que eu decida seguir”, conta Suelen.

A jovem moradora de Osasco, região metropolitana da cidade, acredita que o cenário de emprego para os jovens, tanto em sua cidade como no Brasil, está complicado, e que só se a juventude se unir possibilidade de mudança. “Se eu souber de uma vaga, e passar para um amigo que sabe de um curso, que pode indica-lo para outro jovem, faremos uma rede de conhecimento que possibilitará o crescimento de todos nós!”.

Leticia está muito contente de ter sido efetiva e conseguir o seu primeiro emprego com carteira assinada, porém atenta que muitas empresas olham o jovem como mão de obra barata. “Existem muitos jovens interessados em trabalhar e em aprender. Mas também muitas empresas que não respeitam limites de carga horária e não estão interessadas em desenvolver o potencial dos aprendizes. Então temos que ficar sempre de olho e cobrar delas que nos deixem aprender, trabalhar, mas também ser jovens, não é?”.

“Eu sou a primeira pessoa da minha família a fazer graduação”, conta Tâmara. “Entrar na faculdade de Direito foi como se tornar uma esperança no fim do túnel para meus pais”. A jovem, que se sempre sonhou com a profissão, descobriu durante as aulas que seguirá a carreira de procuradora-geral, para poder “trabalhar para a população”.

Enquanto cursa a graduação, a jovem baiana também está experimentando o seu primeiro emprego, dentro da Secretaria Municipal de Educação. Seu aprendizado é assessorado pela ONG Parque Social.

O trabalho, em regime de aprendizagem, tem sido importante para que a jovem perceba como funcionam os cargos públicos. “Com a aprendizagem, consigo conciliar meus estudos com a faculdade. E também tenho um trabalho que me desafia constantemente e aposta no meu potencial”.

Para ela, qualquer que seja o futuro do Brasil, tem a ver com acreditar no potencial do jovem de transformá-lo. “A juventude é uma força importante para mudar o país, mas não podemos fazer isso sozinhos. Temos que contar com a ajuda de políticas públicas para nos formar e nos capacitar”.

Sempre que jogava Banco Imobiliário com os amigos, Santiago escolhia ficar encarregado do banco. “Contar as notas, organizar o caixa e assumir um papel de liderança sempre foi muito confortável para mim”, explica o jovem brasiliense. Hoje com 20 anos e trabalhando em um banco de verdade, Santiago acredita ter chegado na área em que gostaria de seguir carreira: a de administração.

O jovem lidou com muitos trabalhos estressantes, como o de estoquista em uma livraria e atendente de callcenter. Só foi possível conseguir um trabalho unindo teoria e prática com o ingresso na Lei de Aprendizagem, que ele conseguiu por meio do Instituto Espro.

“Meu sonho é administrar algum negócio, então, estou conseguindo me capacitar tanto profissional quanto pessoalmente, aprendendo a melhor maneira de gerir pessoas. Recomendo muito a aprendizagem para qualquer jovem que precise trabalhar, porque é um caminho seguro e de conhecimento”.

Larissa tem uma rotina agitada. Morando e trabalhando em Gravaí, ela cursa administração na Universidade Luterana do Brasil, na cidade de Canoas. Os quilômetros que separam geograficamente suas duas rotinas são percorridos com bastante decisão. Trabalhar sobre a Lei de Aprendizagem foi fundamental para que descobrisse a área profissional a seguir. “A aprendizagem foi uma etapa divisória em minha vida, porque eu queria coisas muito distintas, como enfermaria ou administração. Hoje, depois da experiência profissional, eu sei que estou no caminho certo”.

A aprendizagem, dentro Instituto Espro, também possibilitou o desenvolvimento de um afeto pela área de impacto social. Sozinha, ela criou um projeto comunitário onde levava histórias de superação de pessoas com surdez para jovens de comunidade.

Para Larissa, o mercado das cidades interioranas do Rio Grande do Sul tem oportunidades diversificadas, mas só é possível consegui-las com formação tanto técnica quanto teórica. “As melhores vagas são para os mais bem preparados. Por isso, quero sempre estar me aprimorando profissionalmente”.

Fonte: http://www.chegadetrabalhoinfantil.org.br/noticias/materias/no-dia-da-juventude-jovens-das-cinco-regioes-do-brasil-contam-como-e-ser-aprendiz/